Tudo se passa a 24 de Janeiro de 2009.
Sei que vai tarde, mas tem sido um corropio. Hoje, sábado, dia 8 de Fevereiro do ano supracitado, são 23:55 e eu estou no quarto do Hotel Ruta del Puniente em Cuesta de Palma. Sei que devia ir beber um copo, mas não gosto de San Miguel nem de Mahou! O corropio acabou!
Dia 31 de Julho de 2008 completei a feliz idade de 28 anos. Sim, 28. porque se completei, tem de ser 28, né?
Nesse mesmo dia um email dava conta de uma prenda que nem esperava nem nunca seria capaz de retribuir.
Uma amiga querida de longa data, em nome de uma amizade estranha mas nunca em dúvida, lembrou-se de me mandar saltar de um avião.
Acho que há formas mais simples de dizer a uma pessoa "vai morrer longe!", mas esta foi a dela... A prenda consistia num salto de queda-livre em Tandem. Que prendaça! Logo em euforia, divulguei aos quatro ventos o feito desta desmiolada que me queria ver voar!
Tinha um prazo de validade de 6 meses e um
catch por demais relevante: tinha de ter menos de 100Kg, com 10% de tolerância. Na prática tinha de estar abaixo da mítica meta dos 110 Kg.
"Tarefa simples", pensei. Eliminar 5 Kg em seis meses é brincadeira de couve. Muita couve e estava resolvido!
Dias, semanas e uns meses passaram e eu embarquei numa experiência profissional que me levaria a comer tão mal que me parecia que iria mesmo bater os 100Kg... que disparate! Organismo refeito e palatino adaptado e cá vai disto! O menino depois do Natal tinha valorosos 113Kg. Com o final do sexto mês a aproximar-se vertiginosamente vai de marcar o salto e dar um prazo ao dietista. 24 de Janeiro de 2009. Nada a fazer.
Uma semana antes, em casa, em cima da única balança em que confio, lia os 113Kg com certeza que não era nada que uma semana a salada e peixinho não resolvesse.
Mais uma vez...
que tonteria! Chegado a Cuesta la Palma deparei-me com uma cozinheira capaz de me fazer comer mais que na cantina da FCT! Controlado mas esfomeado voltei ao lar de São Domingos para verificar que aquela que não mente também não mudava de opinião. Os 113 mantinham-se!
A chuva de 23 de Janeiro abriu-me uma réstia de esperança de evitar a humilhação. "Liga p'ós gajos a ver se podemos saltar com este tempo!" resposta: "amanhã está limpo!". E o peso? "Estou com 113... vê lá que é que eles dizem..." mais uma vez: "Há vento, não há problema!" Raios... há vento? e se o vento parar? Bom... se eles dizem...
Um bichinho começou levemente a mexer-se no alarve do meu estômago. Ai, ai, ai... vai ter de ser mesmo!
24 de Janeiro de 2009.
Acordo bem disposto e com um estupor de uma dor de cabeça que nem vos digo! Nervos? Nada! Porra da cerveja, vodka e sei lá mais o quê que me lembrei de beber na noite antes!
Banhoca e vá... porta fora direcção Amoreiras para recolher a outra passageira da SkyDive (este momento foi patrocinado pela SkyDive, escola de para quedismo). Os dois a bordo do punhal perguntei se tinha alguma coisa para a dor de cabeça. Nada. Estava destinado a ter uma valente dor de cabeça nos últimos momentos da minha vida... pré-salto (calma.... sem fatalismos).
Direcção a Évora um ligeiro atraso começa a apoderar-se de nós. Tentei contrariar com ligeira aceleração mas o cabresto do punhal já acusava maleitas (conto-vos depois). Não passava dos 120 e iríamos chegar atrasados. Não deve haver problema. "Estou a ficar um bocadinho nervosa." "Irra, vai-te encher de moscas! Não te quero cá com nervos! Não penses nisso que daqui a nada já está!" "Ok, a ver vamos!" Gosto de gente assim. A ver vamos! Podemos mandar-nos de um avião, de o topo de um edifício, ou mesmo lutar com crocodilos. O importante é que não se pense no que se vai fazer até já estar feito. É o meu estilo, é o meu truque. Resulta? Saltei, não saltei!? Pois... ainda não sabem se saltei. Mas saltei.
Com um bichinho no lugar onde deveria estar um almoço cheguei ao aeródromo de Évora. Pergunta aqui pergunta ali e lá demos com o Hangar 4, sede da SkyDive (momento patrocinado... já sabem...). Uma festarola no Hangar ao lado, uma data de gente a passear no aeródromo (???) e uma malta estranha mas calma no Hangar 4. E claro, um tal Silvério que passava de 20 em 20 segundos com uma bucha na mão. "Porra, muito comes tu Silvério!!!" grita um jovem enquanto se dirige a nós. "Estão aqui para o salto?" "ISSO" respondemos em coro. "Mas achas que ELE vai poder saltar?" "É matulão, mas o vento está forte, não haverá problema e, se houver, uma coisa de garanto: lá em cima não fica!" Reconfortante... falavam aqui do matulão como se o matulão não estivesse ali. Nos filmes há muitas cenas assim, já sei como se sentem as personagens visadas.
Papelada, cigarros, breafing, cigarros, espera, cigarros, café, cigarros e por último, equipamento, cigarros e piadola "fuma, fuma que nunca sabes quando é o último! Hehe!" Hehe os toma... Sei que este não é porque tenho o maço cheio!
Alguns cigarros, talvez alguns a mais, mas a espera foi tremenda e não havia nada para fazer, só por isso. Ainda tentei jogar um Sudoku no tm, mas o barulho dos motores dos aviões desconcentravam-me!
E ai estava ele. Equipado!
Pois... também me pareceu. Só isto?!
Se é assim, ok!
Beca beca coiso e tal e lá está o avião donde nos vamos mandar! O piloto? O insaciável Silvério que, de bucha em bucha e voo em voo lá ia passando o dia!
Sólido? Claro!
Entrámos. Nós e mais 15. Era a festa do avião! Não... não nesse sentido, seus ordinários! A dor de cabeça amainava, mas ia moendo...
"Esta cena vai dar-me aquela cena do estômago a descolar. Vou-me borrar todo com esta mer%$!" Não... nem cena no estômago nem nada. Tranquilo!
Levantou, tranquilo; subiu, tranquilo; saltou um para fazer um recado, tranquilo; chegou a hora de meter os óculos, agora é que são elas! Já está. Não há volta a dar! Se eu me acobardar agora sou um menino! Mantém a tranquilidade, por favor! Inspiraaaaa!!!! Tranquilo!
"De joelhos até à porta", disse o João. Parte do breafing tinha sido a explicar esta parte. Outra parte a explicar depois de saltar e, a maioria a fazer piadas sobre as tantas formas que se pode aterrar não acordado, principalmente se se pesar mais de 100 Kg. Que breafing. Ajoelhado, já de cabeça de fora do avião, lembro-me de ter pensado... "Como é que é agora? Será que sou eu quem dá o impulso? É ele? E como é que saímos? Vou bater com os joelhos? Olha... o aeródromo tão pequenino lá em baaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa..."
Qual Jerónimooooo qual quê!!! Calei-me. Vi. Senti. Ouvi. Mas acima de tudo Senti. Frio. Muito frio. Mais ou menos 16 graus negativos. Acho que nunca senti tanto frio e, no entanto, não o senti! Senti vento. Muito vento. Na cara, nas mãos, nos pés, no corpo todo! É mesmo muito vento. A dor de cabeça? Não senti. Nem nesse momento, nem nos seguintes, nem depois. Desapareceu!
É louco? Não. É a puta da loucura! Isso. É mesmo!
4200 metros de altitude. 50 segundos até aos 1300 metros. E depois? Pfffffff... Imaginem o som. Imaginem a sensação. Leveza inacreditável que leva a asa a abrir e o nosso corpo a voltar a sentir a gravidade. Os ouvidos voltam a funcionar. O sorriso é impossível de conter. A alegria é tremenda.
Não sou eu, mas poderia ser!
10 minutos. Chão. Aterragem? Espectáculo. Conclusão?
QUERO MAIS!!!!!
Obrigado Silvério, obrigado SkyDive, obrigado João.
Mas acima de tudo...
Obrigado Patrícia.With love from La Palma (Cuesta, calma...)
Marco